Há uma montanha de roupa em cima da cadeira do meu quarto e muita tralha por cima da secretária. Ontem compreendi finalmente que não vou conseguir arrumar tudo o que deveria ser arrumado, quando tocar na confusão vai ser para empacotar. O que está próximo. As mudanças - ch ch ch changes - estão aí. Vou empacotar-me para outro lado sem muitas dificuldades ou saudades, porque nunca tive jeito para saudades quando tenho a certeza que quero saltar para a frente, pelo menos saudades das situações. Quanto às pessoas, costumo saber quem quero e posso reter na minha vida, e essas não deixo fugir...
Mas há o Tejo e a viagem de comboio diária para Lisboa, que já me acompanha há mais de oito anos (com uma pequena interrupção), e ainda não sei muito bem o que fazer quanto a isso. Entro em Oeiras e saio no Cais do Sodré sempre com o Tejo a planar à minha esquerda - uma visão linda que embrulha uma mensagem de constância. Nos dias de sol o rio é de um azul esverdeado brilhante, nos dias de temporal é de um verde-escuro. Já o vi ser atravessado por nevoeiro, onde só se vê as pontas da Ponte 25 de Abril. Os melhores dias são quando há nuvens a várias altitudes intercaladas com o sol, que reflectem sombras e luz nas águas do rio e a janela do comboio passa a ser um ecrã de cinema onde há tantos pormenores para se reter, que uma viagem de dezassete minutos é demasiado pequena. O Tejo torna-me incansável, nunca me desilude.
Voltando atrás, não sei como ficar sem este momento diário. Parte de mim sabe que, felizmente, o Tejo continua e vai ser meu a partir de outro ângulo. Outra parte já começa a formular a frase "no tempo em que eu andava diariamente de comboio..." e dá uma pincelada azul à memória emocional que vou construindo desta década. Acima de tudo, acho que me contento com a dor da perda - torna o passado mais real e dá maior sentido ao futuro.
1 comentário:
Tenho saudades dessa viagem, se bem que a minha fosse em sentido contrario. Mas tenho saudades de me perder a olhar para esse rio que inspira poetas.
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