Vi o homem estacar, sentar-se, tirar uma agulha da mão e empalidecer. Durante duas horas ficou quieto naquele banco do jardim, a olhar para o infinito. De dez em dez minutos gritava: "Esqueci-me de como se ama!". Parecia que o grito era a resposta explicativa que o infinito lhe devolvia. Logo a seguir fazia um gesto com o braço, calava-se de imediato e parecia entrar outra vez num torpor. Dez minutos passados e novo grito: lancinante, horrível.
Soube, dias depois, que ficou ali durante duas horas. No mês seguinte não se falou de outra coisa, dizia-se que tinha sido vítima de uma doença do sistema nervoso que afectou certas zonas do cérebro. Lembro-me de aguentar dois gritos e ao terceiro fugir do jardim com medo de enlouquecer. Fui dos últimos a abandonar o local e ninguém ouviu o homem a gritar pela última vez.
Quando lá chegaram, horas depois, já estava colado ao chão. A morte tinha sido causada por uma paragem cardíaca, o corpo estava normal excepto dois pormenores: a cara parecia toldada pelo pânico e no braço direito doze furos com sangue seco recente apagavam a tatuagem do perfil de uma mulher.
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