Quantas mortes eram necessárias para um apocalipse? Que pergunta estúpida! Nunca precisara de conceitos para reagir às situações. Sempre tivera a razão e a emoção a andar a par e passo, água quente e fria que se misturavam num caudal morno, constante e responsável. Por isso estava viva e lúcida, por isso estava ali, sozinha, no cimo da falésia a ver o sol nascer.
Não vinha à procura de esperança, decidira-se apenas que necessitava de viver algo extraordinariamente belo. Estava cansada da angústia e dos choros repetidos que a tristeza e o horror traziam. Olhou para o horizonte, gradualmente o céu foi passando de preto para azul-escuro, roxo, vermelho, laranja, até que a primeira franja de sol despontou. A cara dela ficou iluminada e uma lágrima desprendeu-se cuidadosamente do olho esquerdo e escorregou bochecha abaixo. Fixou-se prolongadamente no mar enquanto mais e mais lágrimas caíram num choro contente e aliviado.
Passado algum tempo pôs-se de pé. Atrás dela a vila estendia-se a alguns quilómetros de distância. De longe, o perfil dos edifícios não anunciava a ausência de pessoas nem de sentidos, nada fazia querer que a civilização tinha deixado de existir. Isso pouco lhe interessava, em passos largos dirigiu-se de volta para sua casa, para dias e semanas de trabalho, cansaço e incertezas. A falésia e o sol viram-na ficar pequenina e desaparecer na paisagem. Ela, contudo, tinha guardado aquele lugar na sua mente, certificara-se que o amanhecer não estava estragado e iria voltar ali repetidamente.
2 comentários:
Ei, Marujinho:
Buito boa, esta história.
Buito, buito.
buito obrigado,
buito, buito.
Enviar um comentário