sexta-feira, outubro 30, 2009

Um workshop. Quero um workshop para falar à Chungking Express. Como é que ninguém se lembrou disto antes? Quero um workshop e a partir daí vou tornar-me empático com sabonetes que engordam, sumos de ananás quase fora do prazo e toalhas que choram. Vou sair para a rua e os meus olhos vão delimitar microcosmos e as palavras vão soar a sonhos. Tenho tantas saudades deste filme.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Fartei-me dos piscares de olho, das cumplicidades, das partilhas de pensamentos brilhantes. Não tenho nada de novo para dizer, não trago nenhuma inovação na forma de mastigar referências. "Chiclete mastiga, chiclete deita fora." Não era isso que os Taxi diziam? Acertaram.
O nevoeiro desce à cidade. Ninguém sabe o que fazer com ele. Poucos estão habituados à cegueira.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Não é na sala vermelha do Lynch que eu quero ficar. Paro antes no salão onde Julee Cruise costuma cantar o seu "The Nightingale" e troco a música. "Oh I buried you today" arranca um duo qualquer. Sento-me a ouvir a melodia rápida e triste de um amor morto, na companhia de uma bebida e de outros espectadores com olhos vidrados de quem tem o coração ainda mais solitário. "I know a heart is hard to please when love fades" continuam as duas vozes, sem ligar a uma luta, a um amor escondido, a uma bela rapariga cheia de mistérios que foi morta. Consigo evitar que a minha atenção se disperse na mesa que tomba, na faca que sai do bolso de alguém, abstenho-me em ler os sinais de todo o horror que está subjacente à cena e sigo atento os lábios da cantora e do cantor compenetrados a contarem a sua história. "But my heart was on fire, but now I cry" terminam as vozes antes do final da música. Eu acabo a bebida, levanto-me e saio porta fora para um cruzamento escuro, deserto, onde o vento sopra e os semáforos abanam.

segunda-feira, outubro 26, 2009

A música no volume certo, por favor. Bem alto.
A vida vai tornando-se irrevogável. Com traços, riscos precisos, balas. A realidade sucede-se sempre com uma capacidade espantosa de reinventar o que é inviável. Quando olhamos para as nossas duas mãos, uma está a sangrar as perdas e a outra a agarrar-se aos ganhos. Nunca sabemos muito bem como é que chegamos ao final do dia sem nos termos despenhado. Principalmente quando se sabe identificar os motivos de cada ferida. Vamos correndo e arrancam-nos pedaços de carne ao mesmo tempo que colocam outros. Parece que a vida já não se reconhece na generosidade de oferecer-nos nada sem ser como resposta à culpa de nos ter tirado forças. Vivemos em perda e, pior, esquecemo-nos de que um dia a morte tornará tudo definitivamente inviável.

sábado, outubro 24, 2009

Eu sei que a música e o vídeo já têm seis anos e eu devia colocar o "Last Dance", o single do novo álbum dos The Raveonettes. Mas adoro a música, adoro o som do início que parece um grito desenfreado. Além disso acho o "Last Dance" meio meh. Se o próximo single for o "Bang!", o "Boys Who Rape (Should be Destroyed)" ou o fabuloso "D.R.U.G.S." - três das músicas que tornam o "In and Out of Control" obrigatório - então prometo colocar aqui. De resto, o que eu gosto nesta banda é a mescla entre um lado dark e outro mais luminoso e o "That Great Love Song" tem isso tudo.

sexta-feira, outubro 23, 2009

Olhei para o passado e vi as pessoas que nunca mais vão estar juntas para tirar uma fotografia, e vi as pessoas que nunca mais vão estar reunidas para ter uma conversa. Olhei para o passado, e ninguém vai se importar se há coisas que vão continuar a ter significado para mim.
De onde é que veio a matéria? Essa é a única questão que vale a pena pôr à Igreja. Bem mais interessante do ponto de vista filosófico do que um simples registo anti-bíblico... Mas isso sou eu. Somos matéria, tudo o que há em nós está constantemente a ser reciclado e substituído ao longo da vida. Desse ponto de vista somos a cópia de nós próprios, continuamente, em velocidades diferentes consoante a molécula em que nos focamos. Se houvesse uma máquina capaz de reproduzir a nossa estrutura molecular até ao mais ínfimo pormenor, de um ponto de vista puramente físico seria, à partida, capaz de criar um duplo. Se eu visse um duplo meu acho que o abraçava, espero que se ele me visse, fizesse o mesmo.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Spoon para arrancar com a semana


"And I got nothing to lose but
Darkness and shadows
Got nothing to lose but
Emptiness and hang-ups"*

* "Got nuffin"

domingo, outubro 18, 2009

Era uma Time Machine que eu queria. Daquelas em formato pod, brancas, bem kubrickianas que funcionasse à base de um botão vermelho e um pensamento-desejo. Saltava para uma praia deserta dos 50's com o mesmo gosto que tenho andado a ouvir The Drums, The Raveonettes ou Washed Out. A culpa é deles, das suas sonoridades laid back, das minhas obsessõezinhas e deste sol. Este sol!!! O que é que se faz com este sol? Só me vem à mente pranchas de surf, areia e o mar.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Dizia-te eu que não chorava há muito, há mais de um ano, há quase dois. E mesmo dessa vez foi um esforço, um arranque, como o riso que dei quando te contei isto. Ri-me por não chorar, nem gritar. Pela sombra que me tinge a face cinzenta e me afasta passo a passo de sentir.

Não me perguntes, sabes bem que eu já deveria estar de olhos fechados...

"Get busy living, or get busy dying"




segunda-feira, outubro 12, 2009

Deu-me para isto

Devia citar o vídeo, que segundo a Pitchfork é do Chase Heavener. Mas o que me interessa é a música: "Feel it all around" de Washed Out, que é Ernest Greene. "Hypnagogic pop", reminiscências dos anos de 1980, I don't know. Com o calor que está lá fora, sabe estranhamente bem. Eu, que não me via a ouvir synth pop, estou rendido, mesmo que isto seja febre passageira e que nunca mais se vá falar sobre o senhor.

Transparências

Há um mundo de janelas no meu quarto, feito por todos os focos de luz eléctrica que atravessam os vidros da portada e reflectem na parede. Às 4h da manhã, sentado à frente do computador, com a luz apagada, a criatividade extingue-se na dor que tenho na perna direita, no zumbido dos ouvidos, na repetida mistificação do amanhã. O meu raciocínio fica retido na constatação de um estranho paradoxo que envolve espaços fechados. Atravessam-se num instante quando estão sem ninguém, apesar de parecerem amplos e enormes. Quando estão cheios de gente tornam-se minúsculos, mas leva-se uma imensidão de tempo a chegar ao outro lado. Ao mesmo tempo, a solidão fica inalterada à medida que o nosso campo de visão vai se enchendo de pessoas a dançarem, beberem e a trocarem olhares de diferentes amplitudes no espectro das emoções. Minto, a solidão aumenta sempre que somos alvo da atenção e os olhos de alguém pousam em nós durante segundos, enquanto fazem um julgamento clínico para concluir se cumprimos os seus interesses. Normalmente, acabamos por ser um vidro, um espelho, um filtro, e os olhares são desviados, duplicados ou reflectidos em terceiros, ou neles próprios. Servimos de adorno que modela ideias e escapa-lhes que somos substância. Tornamo-nos tão etéreos como o fumo que sai dos cigarros e ajuda a moldar focos de luz já gastos, que reflectem numa bola de espelhos, que acabam esquecidos nas paredes de uma discoteca.

quinta-feira, outubro 08, 2009

"Sinto-me uma fraude." - dizia ela. Eu ri-me em triplicado. Por também sentir o mesmo, por tê-la em tão boa consideração, por ela, ao dizer-me aquilo, aumentar a consideração que tenho pelo seu trabalho. Calculo que seja uma boa rede superior - esta da "fraude", não nos deixa subir de mais, ir até às estrelas e esquecermo-nos do resto. Dar-nos demasiada importância. Apesar desta nuvem cinzenta constante ser outra forma de nos darmos importância a mais. Vou tentar adoptar outro espírito, que nada tem de intermédio, mas que ataca o cerne do problema: "Sou só mais um."

quarta-feira, outubro 07, 2009

New band in town

Para quem ainda não reparou, os "The Drums" ouvem-se com a mesma vontade com que se apanham os últimos raios do sol do Verão. Principalmente quando o Outono já se instalou.

terça-feira, outubro 06, 2009


A fotografia é má. A carga perde-se, faltam pormenores. Lisboa é monumento e tensão. Aperta com as nuvens, quando se torna cinzenta. O céu aproxima-se do nosso suor. A humidade contrai os pulmões que só exalam nos espaço abertos, nas panorâmicas. Quando o nosso olhar se extingue em todas as bifurcações para ganhar novo folgo num horizonte amplo, celebrado pelo perfil da construção antiga. Lisboa é bela e esta fotografia é má.
Viver com a perda numa cidade cinzenta. Talvez chorar. Talvez deixá-la morar dentro de nós e florescer em feridas que saram com a ajuda de raios de sol fugidios. Abandonar as crostas, transformá-las em rugas que servem as emoções. Que nos tornam mais belos na tristeza e mais vivos quando nos rimos. Abandonar dois terços da juventude sem olhar para trás e recuperar a que nos resta nos passos solitários que damos, nos momentos em que só a cidade sabe de nós.

domingo, outubro 04, 2009

Quando saí do Incógnito e entrei no domingo, levava comigo o "The Lucky One" das Au Revoir Simone. Antes tinha sido o "Sunday Morning" dos Velvet Underground e o "White Rabbit" da Jefferson Airplane. Subi o Combro sozinho, entre o nevoeiro e as vozes afastadas, a pensar que esta noite já ninguém me tirava.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Hoje teclo ao som dos Broken Social Scene para deixar aflorar em mim o tempo outonal. Não tanto pela perda ou nostalgia, mais pela reclusão através do meio sorriso. Não é uma rejeição da alegria, é só um resguardo de um copo um terço cheio para deixar, calmamente, voltar a encher.