"I think this place is full of spies
I think I'm ruined"
Assusto-me na tua magreza, na tua cara escavada pelos sentimentos, no teu olhar perdido nas emoções. Vejo-te frágil, um corpo quase invisível que se desmonta aos poucos, esquecido dos seus ossos, músculos, tendões.
"Didn't anybody, didn't anybody tell you
Didn't anybody tell you, this river's full of lost sharks"
Não faço nada. Mal observo de longe a conquista dos sentidos deturpados, da mente ensombrada. E não resisto a chorar pela demora dos outros em ti, pelas pancadas doces que nos encravam na terra.
"I know you put in the hours to keep me in sunglasses, I know"
"And so and now I'm sorry I missed you
I had a secret meeting in the basement of my brain"
Não podias ser tu a cantar-me esta canção? Cada vez mais perdida na cave do teu cérebro, onde ninguém te pode salvar... dos espiões, dos tubarões, do quotidiano interior com que vives o teu olhar.
"Didn't anybody, didn't anybody tell you
Didn't anybody tell you how to gracefully disappear in a room"
* Os The National cantam "Secret Meeting" aqui.
quinta-feira, março 22, 2007
segunda-feira, março 19, 2007
Outros domingos
Refugiava-se nos enquadramentos clássicos para não ser apanhado desprevenido. Afinal, quem garantia que os domingos de ontem acabavam sempre nas segundas-feiras de hoje? Tinha medo de saltar o dia e acordar na terça-feira seguinte, ou mesmo cortar toda a semana para voltar a aparecer na véspera da próxima segunda. Sentado, num bar, bebia a confiança de um copo de vinho. Depois, dirigia-se para casa e adormecia calmamente com uma memória recente a aveludar-lhe a alma: o momento em que pousava o cardápio na mesa com a escolha feita na cabeça - era nesse gesto que assegurava a continuidade dos dias...
quinta-feira, março 15, 2007
quinta-feira, março 08, 2007
Vieira da Silva
"(...) Na obscura noite lúcida."
Sophia de Mello Breyner
Parte da obra de Vieira da Silva está exposta na
quarta-feira, março 07, 2007
As escadas
Eram exteriores, de incêndio e iam até ao terraço. O motivo nunca era o café ou o tabaco, essas foram sempre as desculpas. A caminhada até ao final do corredor era sedutora, depois abria-se a porta, que por razão nenhuma se deixava fechar e lá estavam: as escadas. Eram impessoais, de metal, frias, um imaginário que acabava ali - no propósito objectivo da sua função, para subir, para descer. Mas naquele patamar onde a subida tinha início havia mais: um balde branco de plástico (um banco excelente), os tabaqueiros a crescerem, beatas por todo o lado, alguém a requerer a privacidade de um telefonema, um fumador ausente, memórias de pessoas, memórias de memórias...
Os três reuniam-se aí: depois do café da manhã, do almoço, à hora do cigarro da tarde, ou nas muitas vezes em que a vontade não deixava esperar pelo encontro horário. Trocavam-se conversas, revelavam-se segredos, forjavam-se planos com a garantia certa que passado cada dia aquele espaço ganhava uma áurea maior de intimidade, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, se aproximava o momento da partida.
Viveram os melhores momentos daquelas escadas no último Verão, durante o café da manhã. A certeza de um dia soalheiro e longo, os momentos de pausa a seguir a uma revelação, a transpiração da juventude que sugere tudo: até a promessa da sensação eterna de se estar vivo.
Os três reuniam-se aí: depois do café da manhã, do almoço, à hora do cigarro da tarde, ou nas muitas vezes em que a vontade não deixava esperar pelo encontro horário. Trocavam-se conversas, revelavam-se segredos, forjavam-se planos com a garantia certa que passado cada dia aquele espaço ganhava uma áurea maior de intimidade, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, se aproximava o momento da partida.
Viveram os melhores momentos daquelas escadas no último Verão, durante o café da manhã. A certeza de um dia soalheiro e longo, os momentos de pausa a seguir a uma revelação, a transpiração da juventude que sugere tudo: até a promessa da sensação eterna de se estar vivo.
sábado, março 03, 2007
Teve um acidente horrível. Ficou estropiada. Depois de semanas no hospital voltou para casa. Entrou, viu o pai e a primeira coisa que disse saiu-lhe de rompante, incontrolado, quase aos berros: "Vou ser artista, padecer para sempre de dor, ser genial!". Olhou para o lado, mais sossegada, e sussurrou para ninguém o último rasgo já calmo daquele acesso de loucura: "morrer cedo...".
sexta-feira, março 02, 2007
Os dias escritos
Os dias são cinzentos. São azuis, pretos e cinzentos. Os dias são quartos de hospitais 24 horas por cima de 24 horas. Os dias são tentativas de eternos sorrisos para plateias tristes, conformadas. Os dias são camas ocupadas, para serem desocupadas, para voltarem a estar ocupadas. Os dias são mudanças sucessivas de casas, em cariz triângular, em arremessos de vontade, de falta de energia, de esperança, de tristeza. Os dias também são ódio, choro, luz e paz. Os dias têm sido mar sem procura, apenas o olhar a abarcar a imensidão inconstante. Uma garantia confortável da ausência de pensamento enquanto o azul perdura.
Os dias têm sido tudo isto, e cada um daria um post como cada frase acima daria um parágrafo.
Os dias têm sido tudo isto, e cada um daria um post como cada frase acima daria um parágrafo.
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