segunda-feira, agosto 10, 2009

Lisboa pagã

Lisboa ofereceu-se-me como divindade pagã. Eu aceitei-a há muito. Levo-a no meu olhar, no reflexo oblíquo das estátuas, na introversão dos miradouros, na tijoleira recostada, nas calçadas eternas. Contemplo-a e rezo-a e bebo-a todos os dias. Entrego-me aos seus caprichos sempre que me obriga a contornar uma praça, a parar num semáforo, a desviar-me de gente. Vivo-a como um peão que espera ser surpreendido nas situações, nos reencontros, na amargura, nos primeiros olhares. Sujeito-me aos cuidados das ruas, aos empurrões, rasteiras, sentidos proibidos, vinganças. Não me importo. Alimenta-me a luz infinita que traça todos os momentos, que é metade da cidade, que é metade Lisboa. Foi sob essa luz que me foi oferecido pela primeira vez a tua cara, a arquitectura dos teus traços, o teu sorriso, os teus gestos. Lisboa desvendou-me a tua existência e eu hesitei. Inspirei e deixei-te ir. Deambulo agora pelos passeios, sento-me nos cafés, olho para as pessoas com uma nova esperança. Carrego-a junto com outras vontades, sonhos, desejos que trago comigo. Espero reencontrar-te nas ruas de Lisboa.

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